O Milhafre e o Branco

Emagreci 5 quilos. Não sei há quanto tempo ando a definhar, mas parece-me que estou a tentar desesperadamente desaparecer. Olho-me ao espelho e vejo ossos, as costelas querem sair de mim. Se calhar é para os pulmões terem mais espaço para respirar, se calhar é este peso que trago no peito que está a ficar mais pesado, não sei. E hoje, no rescaldo de outro dia de penitência, volto-me a sentar ao computador a tentar exprimir encolerizadamente algo que vejo que não consigo explicar. O corpo pede tréguas, mas o cérebro não deixa, tenho que por tudo cá para fora e o mais depressa possível, mesmo que não saiba muito bem o que estou a sentir.
Ontem nem estive perto de exprimir o que queria. Estava bloqueada por tanta raiva, por tanta tristeza. Queria mesmo escrever, para ver se açambarca esta melancolia toda, e ia para a cama húmida dos sonhos perturbadores para, pelo menos, acordar no outro dia pelo mais indiferente àquela dor toda que sinto.
O ombro continua a ser o meu ponto fraco. Mas a minha chaga é na cabeça.

No carro, à saída do Hospital, com dores no joelho que me faziam coxear ainda mais, deu-se um milagre. De repente começou a nevar. Floquinhos leves, andavam ao sabor do vento, para irem cair sobre as pessoas, os carros, o Hospital. Eram umas sementeszinhas, aos milhares, que cobriam o ar de branco, como se fossem confetis de uma festa sobre o meu carro. É Primavera, a estação da mudança. Quem sabe não mudo eu também, como uma flor?
Eu sou uma flor. Tão frágil como uma flor. Uma rosa com espinhos tão pequenos que chegam a ser ridículos. Uma rosa em que a beleza dura um dia, e já pode dizer que, outrora, fora bela, e vive a perseguir aquela beleza que não existe. Aquela beleza não existe mais. Talvez quando ela murchar e se dissolver na terra e sirva de adubo, talvez nasça de novo. Ou nasça um cato.

No caminho, depois de passar pela graça, vi um pássaro, talvez um milhafre. O que me prendeu a atenção foi que ele dava às asas, mas não saía do mesmo lugar. Não sei se era do vento ou se tinha uma asa magoada, mas ele parecia preso por uma corda invisível e tentava desesperadamente libertar-se. Ainda tenho aquela imagem na minha cabeça, dele a tentar voar.

Quando cheguei a casa olhei para mim, com as minhas roupas desajustadas, e pensei “Tudo o que queria dizer vi-o agora”. Cada vez menosprezo mais as palavras. Estou ao computador há mais de uma hora e não te consegui passar, um terço sequer, do que sinto. Mas guarda a imagem do pássaro que não conseguia voar mesmo quando estava a ser agraciado por tentar voar conta o vento.

Comentários

Anónimo disse…
Neste momento gostova de ser eloquente, mas a dita eloquencia escorreu-me por todos os poros...brilhante! Adoro tudo o que escreves, os vicios e as virtudes, a coragem e os assombros em tantos quartos escuros.
Espero continuar a ler-te...
Bruno Diónis
Anónimo disse…
Boas, sim senhora, menina caixinha de surpresas...
Não sei se por acaso te lembras de mim, pelo nome, mas eu tive o prazer de te conhecer em leiria, mas pouco contacto tivemos. Simão Miranda, mais um dos terapeutas que teve ctg, apesar de só por instantes. lol

Tudo de bom para ti, e gostei de saber que tb estás neste enorme mundo que é a blogosfera...
Anónimo disse…
Talvez nao precises de passar nada ou talvez passes mais do que aquilo que imaginas.. As imagens que constrois na minha mente através das tuas palavras sao suficientes para eu criar as minhas interpretaçoes do mundo visto dos teus olhos e digerido pelo teu cérebro..

Talvez o pássaro nao tivesse atado a uma corda invisel.. Talvez o passaro estivesse a exercitar a asas para o belo vôo que iria fazer a seguir e que lhe iria lembrar a beleza de ter asas e poder voar.. Ou talvez ele tivesse mesmo magoado mas tivesse a mostrar que mesmo assim nao desiste.. E que nem uma asa mais fragil o vai impedir de rasgar os céus!

Continua.. Tás a criar aqui uma fã do teu género de escrita :)

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