Primeiro poema depois do derrame

Expectativa

A dor insuportável de sermos nós,
Começa devagar, como se de uma queda de uma folha
Se tratasse.
O embate é leve, lento, quase doce,
E leva consigo uma brisa de saudade.
Caiu. Parou. E fica à espera
Que o vento a leve para mais longe, tão longe quanto o céu permitia.

Ela sabe que a viagem acabou por ali.
Ela sabe que vai apodrecer no sítio onde estava.
Ela sabe. Mas não deixa de imaginar que o vento a vai levar.

E o tempo vai passando, sem nenhuma surpresa.
(Ela ainda crê que o vento a vai libertar.
Mas ela já não é uma folha. É pó.)
Então, um dia perdia na memoria que já fora uma folha,
Surge o vento, e espalha-a por cidades, casas, pessoas,
Como se ela fosse um humano cremado,
Duma forma tão violenta como visceral.

Ela sabia. Sabia que ele chegaria tarde demais.
Mas também sabia que era assim, e reconfortou-se
Por não ser uma folha, mas ser pó.
Assim, a mais pequena brisa levava-a a viajar,
E ela regozijava. Pois não estava à espera de outra coisa
Que não aquele momento, em que ela,
Mesmo não tendo corpo,
Viajava com a brisa. Até não existir mais.


1 de Abril de 2008





Este foi o primeiro poema que escrevi depois do derrame.




Temia que nunca mais fosse escrever assim.

Comentários

Anónimo disse…
Poeta nao morre.. Nem dorme.. Passa só pelas brasas ;)

"Ela sabe que a viagem acabou por ali.
Ela sabe que vai apodrecer no sítio onde estava.
Ela sabe. Mas não deixa de imaginar que o vento a vai levar."


A luz da esperança! A luz da vida!

Belo poema *


PS - No outro comment cometi um grave erro que passo a corrigir: O Fapigas é ranhoso :)

Mensagens populares