Elefante
Creio que para conseguir sentir, sinto tudo. Muito. E nem sempre é bom.
Mais de 20 anos a tomar antidepressivos, sentir é um murro. E é isso, só. Não procuro substitutos à dor nem à frustração. Estão lá, decido tratá-los com o respeito que merecem.
Dito isto, que fique bem claro que não procuro mais tipos de substituição - nem medicação, nem homens. Que fique bem claro que o que digo não tem qualquer outro sentido para além do sentido que a palavra tem.
Que não quero foder todos os homens que admiro (que não quero foder, na verdade).
Que as "coisinhas que tenho feito" são uma ínfima amostra do turbilhão que vem cá dentro e que infelizmente não tenho com quem partilhar sem receber um conselho ou um qualquer julgamento.
Esta é uma luta inimaginável em sem fim. E todo este amor que carrego também não, mesmo que decida afastar-me.
Ter que estar constantemente consciente do outro e do quanto posso ser eu a dado momento, tendo em mente não partilhar em demasia para não "colocar demasiado peso na inter-relação". Das pequenas promessas quebradas "amanhã ligo-te" amontoadas ao longo dos anos. Para aprender que não sou tão importante na vida dos outros quanto os outros são na minha.
Sinto-me como um elefante parado, à espera da moeda de 20 escudos para tocar à sineta porque é isso e apenas isso que é esperado de mim. Que é um atrevimento querer outra coisa, como a verdade, e na verdade, sei que nunca a vou ter completamente.
Curiosamente é pela luta da verdade que me torno no elefante. Não compreendo o motivo de me querer ser espectável sorrir e acenar, "não ligues" dizem. Ligo porque sempre liguei, se ser adulto significa ser hipócrita de bom agrado continuo esta pessoa intragável.
Eu sei quando as pessoas me estão activamente a ignorar "não te vi". Viste. Seria refrescante ouvir a verdade volta e meia. Não ia julgar, já sei da reza toda, que sou agressiva, não aprazível de se estar, pesada. Recebo esses dedos com honor, com a importância que têm para mim, que são esses dedos que sigo nas minhas introspecções. E às vezes o destino é fora. Existem vezes mais fácil que outras e recordo cada adeus.
É uma ousadia peneirar quando já só existem meia dúzia de grãos na peneira, mas vou continuar a fazê-lo - não receio a solidão e muito menos a morte. Receio sim a venda dos meus valores por um semblante de amizade ou companhia. Já o fiz demasiadas vezes e nunca valeu a pena.
E que fazer com todo este amor que transborda? Pesa-me no peito, o luto. Por muito que queira tocar a sineta para te alegrar o dia (porque a minha motivação é externa, fazê-lo-ia com prazer) olho-te só com estes olhos cansados e desalentados destas relações transnacionais e devolvo-te a moeda. E mais luto, mais peso, mais memória.
Se houver uma próxima em vez da moeda queria a verdade, porque por muito má que seja não será pior que o engano ou a presunção.
Foto: Niina-Anneli Kaarnamo
Comentários