Ser peão sem saber xadrez

Muitas vezes é urgência, outras é companhia. Desconfio que a minha recente regularidade tem alguma coisa a ver com o desmame. Se a cabeça não parava, ficou "pior" (melhor). Continuo a ver o mundo cinza como antes mas em vez da paralisia material, tenho vontade de fazer muito, tudo, experimentar, falhar. Menos com as pessoas - não sei, receio, sou desajeitada com subtilezas, continuo a remeter-me ao silêncio quando quero gritar (se bem que nem gritar quero mais, não adianta).
Uma das minhas vizinhas bateu-me à porta no outro dia, por causa de cenas de adulto. Na reunião de condomínio confessou-me que nao tinha percebido porque tinha um carro adaptado, visto que "parecia normal", pressuponho que tenha constatado que "não era". Isto é algo que vivo demasiadas vezes e, outra vez, sei que são poucos mal intencionados (mas há). A malta daqui pareceu-me boa. Claro que vi alguns deles muito (morbidamente) curiosos. Com a desculpa de escrever a acta (que pensei que seria enviada por mail) passei uma tarde com a minha vizinha. Escrevemos a acta e depois convidou-me para lhe fazer companhia enquanto fumava. Falou-me no trabalho, na saúde, em medicinas alternativas. Partilhas bem intencionadas, sem dúvida. Cheguei a casa e colapsei de excesso de informação.
Ontem apanhou-me, quando me estava a despedir da visita da minha mãe "Não se preocupe que eu tomo conta dela" disse à minha mãe. É este o sentimento que me agonia. Tenho algumas dúvidas que noutras circunstâncias ninguém diria algo assim a uma mulher de 39 anos. 
Estou cansada de ouvir "não leves a mal", "foi com boa intenção", "não tens paciência nenhuma" quando só quero ser vista como uma pessoa, não como ser inferior em perigo, como um cão ou um gato bebé na rua - não quero servir de propósito de ninguém.
É em parte por isso que tenho tantas dificuldades com as pessoas. Geralmente não são directas nas suas intenções, e fico sem saber como actuar, tendo o silêncio como norma neste tipo de interações. Como tenho estado a borbulhar nisto das pessoas e na minha (ausência de) resposta efetiva tenho, há já algum tempo, andado a "treinar" como abordar temas que me deixam desconfortável. Não é fácil. É especialmente difícil com pessoas que não conheces. Fui cortar o cabelo no outro dia e tive uma celeuma. Só me sinto confortável que duas pessoas mo cortem, e a meio o cabeleireiro diz-me que outra pessoa iria cortar parte. Se tivesse pêlo, punha-se logo em pé. Tentei tolerar, afinal é só cabelo e tal, mas era aquela presença perto de mim que me vez pensar "diz qualquer coisa, não há mal" e disse. Não de forma agressiva nem nada, mas saiu-me um bocado do pânico na voz. 
Porque é que tive essa reacção? Provavelmente pelas milhentas vezes que me tocaram sem permissão. 
Enquanto venho aqui lamentar-me da minha vida privilegiada, o mundo pula e avança mesmo à beira dum precipício. Portugal não é um país simpático nem tolerante e começa-se a sentir alguma cencura não decralada. Já o JMB perguntava em 1975 (se não estou em erro) "pelo menos agora já se pode conversar - ou já não de pode?", e tenho-me lembrando muito da música do JP Simões em que ele pergunta à sua própria geração "o que te falta agora, que não te falta nada?". É um desencanto. Minorias como bodes expiatórios de problemas estruturais, classes contra classes, um fandago de ódio dançando por um povo frustado. 
Não existe antidepressivo que faça este tempo mais fácil de se passar. E, na minha importância, não importância, não consigo fingir que "não é nada comigo!" (JMB), mas eu só sou um peão e nem xadrez sei jogar. 



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