O luto (ou a solidão acompanhada)

Estou quase sem ar. Perdi o meu Boris.

Estava a vestir-me para apanhar o expresso quando dei falta do meu fio, que tiro para tomar banho e, que religiosamente coloco depois de me vestir. Faço-o à 3 anos, tiro-o para dormir e coloco-o quando acordo, tiro antes e depois do banho e é só. Ensaio com ele, faço espetáculos com ele e, se não o puder ter, faço com que alguém da minha mais alta confiança o tenha. Nesse fio estão cinzas do meu Boris, o meu menino amado que mesmo após a sua partida me continua a acompanhar.


Hoje, repetindo o ritual, não o encontrei. Primeiro uma angústia leve, pondo em dúvida o meu siso (apesar de saber, porque o faço sempre da mesma forma, que algo de tremendamente errado se estava a passar), irrompe o desespero e, ao pedir ajuda só encontrei julgamento.

Eu não queria saber se tinha sido eu a perdê-lo, só o queria de volta (ou pelo menos saber onde estava). 

Ao preceber que não o iria encontrar a tempo de o levar comigo, o desespero tomou conta de mim, chorando e soluçando, virando tudo à procura dum milagre. Não conseguia falar de tanto soluçar 

"É preciso ficares assim por causa dum fio?"

À medida que estas palavras e outras de semelhante conteúdo, me eram atiradas estava a reviver a perda do meu menino.

Pode ter parecido despropositado, excessivo, afinal era apenas um fio, na compreensão colectiva e em bom senso. Engraçado como o bom senso não se aplica ao luto.

À espera do expresso fiz mais um mapeamento espacial de onde o fio poderia estar. Informei quem me poderia verificar e fui, desamparada, rumo à capital para a última semana de ensaios e apresentações. 

Não sentir o peso das cinzas contra o meu peito faz-me sentir um outro peso, maior, como se tivesse colapsado nos braços da enfermeira novamente. O peso da culpa, impotência também ressurgiram.

"Talvez seja ele a dizer-me que já chega", pensei. O que vale é que não acredito no além e vou voltar ao meu ritual assim que possível, independentemente do que ele possa achar (comédia dicotomica, ai dói-me a cabeça).

O pânico não foi em vão. Vou-me embora de novo e não poderia ir com este buraco no peito.

Entretanto já o encontraram. Anda Boris, temos mais trabalho pela frente.





Comentários

Mensagens populares