Justiça Divina
Por cada coisa má acontece uma boa, e vice-versa. É o equilibro das forças enérgicas, o cosmos, a força universal que te mantém vivo. É necessário que a vida tenha a sua quota-parte de dor, nem é para saboreares mais a felicidade, mas para te aperceberes que estás vivo.
Começo este post assim porque ontem tive um dos dias de extremos complementares mais exagerado que tive em toda a minha vida. Geralmente, quando pensava em “por cada coisa má acontece uma boa”, pensava que era um género de compensação que a vida tinha para comigo, mas enganei-me redondamente. Alias, a vida não me deve nada, ela já cá estava antes de eu nascer. A vida começou com aqueles seres unicelulares e ninguém sabe quando acabará, e tu e eu estamos aqui por fazermos parte de um sistema, como todos os animais, todas as plantas. Esquecemos que somos também fauna e vivemos sob a regência da existência e tudo o que ela implica: nascer, morrer, para outros nascerem e morrerem and so on.
A vida é que nos deixa participar nela. O cosmos é a própria vida.
O Ser Humano está tão absorvido nele mesmo que nunca se lembrou que, no fundo, fazemos parte de um sistema tão primário quanto a existência em si.
Os dias cada vez mais me custam a passar. Se antes uma semana passara num minuto, agora parece que cada minuto é uma semana. Não consigo lidar com este sentimento de forma pacifica, e ás vezes perco a cabeça e só me apetece gritar “já chega!!”. Confesso, nunca fui muito paciente, mas o que estou a viver é de deixar um santo a bradar aos céus.
Eu moro perto da estação dos comboios. Sempre adorei comboios, e até me lembro da primeira vez que andei de comboio, tinha uns 7 ou 8 anos. Fui à praia, a São Martinho, com os miúdos da minha escola. Lembro-me que depois, tinha acabado de escurecer (porque eu brincava na rua até fartar) fui apanhar pirilampos com dois amiguitos meus. Lembro-me tão bem dessa tarde como se fosse um dos momentos mais marcantes da minha vida. E foi, à sua maneira, só que eu nunca lhe dei a importância devida por achar que eram coisas próprias de crianças, e que as coisas próprias de criança não tinham importância nenhuma. O que eu julgava que era importante era uma amiga grávida, um casal de namorados à beira do casamento. Não quero dizer que umas fossem mais importantes que outras, mas tiveram o mesmo grau de importância nos momentos em que aconteceram. E os momentos são muito importantes, afinal vivi para ESPERAR os momentos e nunca soube muito bem aproveita-los quando, de facto, os vivi. Pensava “isto é tão bom e vai acabar tão depressa”… Por isso quero viver intensamente, sem nenhum complexo ou tabu, fazer o que me apetecer quando me apetecer (desde que isso não mexa com os sentimentos de ninguém), quero ser feliz (as pessoas deram uma conotação à felicidade tão obtuso que chega a ser deprimente). Eu quero ser feliz com toda a tristeza que isso abarca, e nunca abdicaria do AVC para ser mais feliz. Não é possível faze-lo, então porque deseja-lo? Aconteceu, e encaro isso como uma aprendizagem. Mas sinto que já é tempo de experimentar lançar-me ao mundo – o mundo não é cruel, as pessoas é que são. Toda a aprendizagem é dolorosa porque mexe com o desconhecido, e o que desconhecemos é a morte.
Ontem, outro dia de terapia. Gosto da terapia, só não gosto do que ela implica (um prisão imperceptível a um lugar, neste caso à Marinha Grande, uma cidade que até tem o seu quê de peripécias, mas em cuja cidade eu ansiava por sair, ver outras coisas, viver outras coisas. Vi umas quantas coisas no tempo que estive nas Caldas da Rainha, era mais fácil sair para onde fosse, e agora voltar para casa dos pais, com todo o desejo de independência que sempre tive, pareceu-me uma penitencia em vida).
Estava cansada, porque passei outra noite a dormir mal, sempre com imagens e palavras na cabeça. À tarde fiz a sesta de sempre, mas fui acordada pela minha irmã, que me trazia uma encomenda da minha amiga Gui. Ao abrir a encomenda, parecia que tinha aberto a caixa de Pandora. Era uma série de prendas que só alguém que me conhece muito bem conseguiria oferecer.
As prensas estavam cheias de bilhetinhos:
1. Um batom vermelho vivo, da cor que costumava usar. “Quando estiveres triste ou fora do teu corto, pinta os lábios – observa!”
2. Uma caixinha de música que tocava a “Träumerei”, de Schumann, e na caixa dizia “ Encontrei aqui a tua alma! Dança sempre…”
3. Um CD dos Archive, Longinium
4. O bilhete para o concerto de Diamanda Galás, no Theatro Circo
5. O último álbum da Diamanda Galás Guilty Guilty Guilty
6. O livro Despeço-me da terra da alegria, de Ruy Belo, com uma dedicatória que dizia “Sempre tua Sempre aqui, Sempre juntas…"
7. Quatro rebuçados, um de cada cor
Nesse momento fiquei deleitada, não pelas prendas em si, mas pela alma que ela tinha posto naquilo. Os embrulhos feitos para mim, com gatos à mistura (como não podia deixar de ser). O pormenor com que fez tudo fez-me sentir muito especial, numa altura em que sentia-me tudo, menos especial.
Depois, umas horas mais tarde, uma amiga de turma, a Rosa, envio-me uma mensagem a dizer que ela, o Daniel (que também é amigo de turma) e o Mikos vinham fazer-me uma visita. Essas pessoas sempre admirei pela forma como encaram a vida, são felizes apesar de terem passado uma vida difícil. Jantamos e demoramo-nos em longas conversas sobre a existência, sobre a morte, sobre as pessoas. Estava tão absorvia pela conversa que nem sentia cansaço, e nem fazia ideia de que horas eram. Portanto, esqueci-me dos comprimidos todos.
Eram cerca das 2h30, e estamos à porta de minha casa, no estacionamento, para ver se arranjava coragem para me despedir deles sem chorar. De repente lembrei-me dos comprimidos que devia ter tomado há horas. Dois minutos depois senti que ia ter outra crise epiléptica. Pedi os comprimidos de S.O.S. que estavam na minha mala, mas foi tão galopante que me sentei logo. Meio minuto depois estava deitada, à espera de perder a consciência, porque sabia que aquele ia ser dos hostis. Eu olhava para o céu, e parecia-me que até ele era bonito, com nuvem e tudo, enquanto estava à espera – ou aquilo passava ou ia perder a consciência. Quando senti o corpo quase todo incontrolado, o meu instinto foi pegar na mão do Miguel e tentar olhar para ele… Nesses momentos tenho muito medo de morrer… Aí comecei a ver tudo estranho, como se a minha cabeça estivesse a rodar para trás. Não senti o sufoco, mas estava com problemas em respirar. E então surgiu a pausa… O ataque durou cerca de dois minutos, e espumei. Foi tão agressivo que tenho as costas marcadas dos paralelos no chão.
Acordei. Não conseguia andar (o meu lado direito fica muito frágil). Levantaram-me e levaram-me para casa. Toda a gente estava notoriamente constornada. Eu nunca vi um ataque epiléptico, e ainda bem.
Eles saíram e fui para a cama. Estava a tremer que nem varas verdes, fico sempre com muito frio depois de um ataque. Pedi à minha mãe para se deitar um pouco comigo porque estava aterrava. Adormeci.
Então foi por isso que não fui à terapia. Estou tão dorida que parece que levei uma sova das grandes. Dói-me a cabeça tanto quanto o corpo. Mas a vida continua, não posso viver sempre com medo de ter ataques. Então hoje fui a uma entrevista de emprego, mas não ia com muita esperança, não sei porquê. Acho que sou e vou ser rejeitada do que quer que seja só porque tenho défices motores (eu não sei se vou ficar com eles ou não, mas é como diz o meu amigo Miguel, antes esperar pouco do que ter uma desilusão. Eu não estava habituada a esperar pouco, sempre me entreguei de alma e coração às coisas e às pessoas.)
Era uma vaga para professor de expressões artísticas em Vieira de Leiria, no ATL nas 3 escolas primárias que existem lá. Duas turmas por dia. Fiquei contente, pois era mesmo o que estava a precisar, fazer alguma coisa na área que escolhi, com pouca carga diária 1h30. E depois, os miúdos são seres fantásticos.
Acho que no meio de tanto azar, sempre tive muita sorte. Para te acontecem coisas boas grandes, tens que passar por coisas más grandes. Isto só acontece, claro, se arriscares, se não te contentares só com as coisas pequeninas, ou corres o risco de viver na ROTINA, o que quer dizer que estás bem, mas podias estar melhor, e a maior parte das pessoas vive assim, vivem para o fim do mês para poderem comprar mais coisas, dão umas moedas à Caritas uma vez por anos e já chega. E há outras, que estão tão centradas nas coisas má quem se apercebem das boas, são vítimas deles próprios constantemente. Não se apercebem que as justificações são só uma maneira de camuflar a verdade. A verdade é ingrata e só as pessoas que conseguem aceita-la têm paz, pois sabem que não há nada que elas possam fazer contra a verdade.
Eu quero viver desprendida da mentira. A mentira engana quem quer e não tem coragem para assumir as suas fraquezas.
Começo este post assim porque ontem tive um dos dias de extremos complementares mais exagerado que tive em toda a minha vida. Geralmente, quando pensava em “por cada coisa má acontece uma boa”, pensava que era um género de compensação que a vida tinha para comigo, mas enganei-me redondamente. Alias, a vida não me deve nada, ela já cá estava antes de eu nascer. A vida começou com aqueles seres unicelulares e ninguém sabe quando acabará, e tu e eu estamos aqui por fazermos parte de um sistema, como todos os animais, todas as plantas. Esquecemos que somos também fauna e vivemos sob a regência da existência e tudo o que ela implica: nascer, morrer, para outros nascerem e morrerem and so on.
A vida é que nos deixa participar nela. O cosmos é a própria vida.
O Ser Humano está tão absorvido nele mesmo que nunca se lembrou que, no fundo, fazemos parte de um sistema tão primário quanto a existência em si.
Os dias cada vez mais me custam a passar. Se antes uma semana passara num minuto, agora parece que cada minuto é uma semana. Não consigo lidar com este sentimento de forma pacifica, e ás vezes perco a cabeça e só me apetece gritar “já chega!!”. Confesso, nunca fui muito paciente, mas o que estou a viver é de deixar um santo a bradar aos céus.
Eu moro perto da estação dos comboios. Sempre adorei comboios, e até me lembro da primeira vez que andei de comboio, tinha uns 7 ou 8 anos. Fui à praia, a São Martinho, com os miúdos da minha escola. Lembro-me que depois, tinha acabado de escurecer (porque eu brincava na rua até fartar) fui apanhar pirilampos com dois amiguitos meus. Lembro-me tão bem dessa tarde como se fosse um dos momentos mais marcantes da minha vida. E foi, à sua maneira, só que eu nunca lhe dei a importância devida por achar que eram coisas próprias de crianças, e que as coisas próprias de criança não tinham importância nenhuma. O que eu julgava que era importante era uma amiga grávida, um casal de namorados à beira do casamento. Não quero dizer que umas fossem mais importantes que outras, mas tiveram o mesmo grau de importância nos momentos em que aconteceram. E os momentos são muito importantes, afinal vivi para ESPERAR os momentos e nunca soube muito bem aproveita-los quando, de facto, os vivi. Pensava “isto é tão bom e vai acabar tão depressa”… Por isso quero viver intensamente, sem nenhum complexo ou tabu, fazer o que me apetecer quando me apetecer (desde que isso não mexa com os sentimentos de ninguém), quero ser feliz (as pessoas deram uma conotação à felicidade tão obtuso que chega a ser deprimente). Eu quero ser feliz com toda a tristeza que isso abarca, e nunca abdicaria do AVC para ser mais feliz. Não é possível faze-lo, então porque deseja-lo? Aconteceu, e encaro isso como uma aprendizagem. Mas sinto que já é tempo de experimentar lançar-me ao mundo – o mundo não é cruel, as pessoas é que são. Toda a aprendizagem é dolorosa porque mexe com o desconhecido, e o que desconhecemos é a morte.
Ontem, outro dia de terapia. Gosto da terapia, só não gosto do que ela implica (um prisão imperceptível a um lugar, neste caso à Marinha Grande, uma cidade que até tem o seu quê de peripécias, mas em cuja cidade eu ansiava por sair, ver outras coisas, viver outras coisas. Vi umas quantas coisas no tempo que estive nas Caldas da Rainha, era mais fácil sair para onde fosse, e agora voltar para casa dos pais, com todo o desejo de independência que sempre tive, pareceu-me uma penitencia em vida).
Estava cansada, porque passei outra noite a dormir mal, sempre com imagens e palavras na cabeça. À tarde fiz a sesta de sempre, mas fui acordada pela minha irmã, que me trazia uma encomenda da minha amiga Gui. Ao abrir a encomenda, parecia que tinha aberto a caixa de Pandora. Era uma série de prendas que só alguém que me conhece muito bem conseguiria oferecer.
As prensas estavam cheias de bilhetinhos:
1. Um batom vermelho vivo, da cor que costumava usar. “Quando estiveres triste ou fora do teu corto, pinta os lábios – observa!”
2. Uma caixinha de música que tocava a “Träumerei”, de Schumann, e na caixa dizia “ Encontrei aqui a tua alma! Dança sempre…”
3. Um CD dos Archive, Longinium
4. O bilhete para o concerto de Diamanda Galás, no Theatro Circo
5. O último álbum da Diamanda Galás Guilty Guilty Guilty
6. O livro Despeço-me da terra da alegria, de Ruy Belo, com uma dedicatória que dizia “Sempre tua Sempre aqui, Sempre juntas…"
7. Quatro rebuçados, um de cada cor
Nesse momento fiquei deleitada, não pelas prendas em si, mas pela alma que ela tinha posto naquilo. Os embrulhos feitos para mim, com gatos à mistura (como não podia deixar de ser). O pormenor com que fez tudo fez-me sentir muito especial, numa altura em que sentia-me tudo, menos especial.
Depois, umas horas mais tarde, uma amiga de turma, a Rosa, envio-me uma mensagem a dizer que ela, o Daniel (que também é amigo de turma) e o Mikos vinham fazer-me uma visita. Essas pessoas sempre admirei pela forma como encaram a vida, são felizes apesar de terem passado uma vida difícil. Jantamos e demoramo-nos em longas conversas sobre a existência, sobre a morte, sobre as pessoas. Estava tão absorvia pela conversa que nem sentia cansaço, e nem fazia ideia de que horas eram. Portanto, esqueci-me dos comprimidos todos.
Eram cerca das 2h30, e estamos à porta de minha casa, no estacionamento, para ver se arranjava coragem para me despedir deles sem chorar. De repente lembrei-me dos comprimidos que devia ter tomado há horas. Dois minutos depois senti que ia ter outra crise epiléptica. Pedi os comprimidos de S.O.S. que estavam na minha mala, mas foi tão galopante que me sentei logo. Meio minuto depois estava deitada, à espera de perder a consciência, porque sabia que aquele ia ser dos hostis. Eu olhava para o céu, e parecia-me que até ele era bonito, com nuvem e tudo, enquanto estava à espera – ou aquilo passava ou ia perder a consciência. Quando senti o corpo quase todo incontrolado, o meu instinto foi pegar na mão do Miguel e tentar olhar para ele… Nesses momentos tenho muito medo de morrer… Aí comecei a ver tudo estranho, como se a minha cabeça estivesse a rodar para trás. Não senti o sufoco, mas estava com problemas em respirar. E então surgiu a pausa… O ataque durou cerca de dois minutos, e espumei. Foi tão agressivo que tenho as costas marcadas dos paralelos no chão.
Acordei. Não conseguia andar (o meu lado direito fica muito frágil). Levantaram-me e levaram-me para casa. Toda a gente estava notoriamente constornada. Eu nunca vi um ataque epiléptico, e ainda bem.
Eles saíram e fui para a cama. Estava a tremer que nem varas verdes, fico sempre com muito frio depois de um ataque. Pedi à minha mãe para se deitar um pouco comigo porque estava aterrava. Adormeci.
Então foi por isso que não fui à terapia. Estou tão dorida que parece que levei uma sova das grandes. Dói-me a cabeça tanto quanto o corpo. Mas a vida continua, não posso viver sempre com medo de ter ataques. Então hoje fui a uma entrevista de emprego, mas não ia com muita esperança, não sei porquê. Acho que sou e vou ser rejeitada do que quer que seja só porque tenho défices motores (eu não sei se vou ficar com eles ou não, mas é como diz o meu amigo Miguel, antes esperar pouco do que ter uma desilusão. Eu não estava habituada a esperar pouco, sempre me entreguei de alma e coração às coisas e às pessoas.)
Era uma vaga para professor de expressões artísticas em Vieira de Leiria, no ATL nas 3 escolas primárias que existem lá. Duas turmas por dia. Fiquei contente, pois era mesmo o que estava a precisar, fazer alguma coisa na área que escolhi, com pouca carga diária 1h30. E depois, os miúdos são seres fantásticos.
Acho que no meio de tanto azar, sempre tive muita sorte. Para te acontecem coisas boas grandes, tens que passar por coisas más grandes. Isto só acontece, claro, se arriscares, se não te contentares só com as coisas pequeninas, ou corres o risco de viver na ROTINA, o que quer dizer que estás bem, mas podias estar melhor, e a maior parte das pessoas vive assim, vivem para o fim do mês para poderem comprar mais coisas, dão umas moedas à Caritas uma vez por anos e já chega. E há outras, que estão tão centradas nas coisas má quem se apercebem das boas, são vítimas deles próprios constantemente. Não se apercebem que as justificações são só uma maneira de camuflar a verdade. A verdade é ingrata e só as pessoas que conseguem aceita-la têm paz, pois sabem que não há nada que elas possam fazer contra a verdade.
Eu quero viver desprendida da mentira. A mentira engana quem quer e não tem coragem para assumir as suas fraquezas.
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