Ampulheta
Só agora me apercebi da minha, que é pequena e bloqueia muitas vezes, por isso escrevo cada vez menos. Tento ficar alheia ao meu sofrimento, fingir que tenho cada vez mais energia e estar cada vez mais forte. Mas quando a minha ampulheta se liberta… Ninguém vê. E desapareço. E por muito que tente ficar à tona, mergulho ainda mais dentro de mim, como se a agua reclamasse o seu direito a lavar-me, e lá as lágrimas não são mais que iguais que o elemento em que estou.
Pouco de cada vez. Para me curar desta dor inimaginável.
Torno à superfície para que, inconscientemente, só para girar outra vez, para mergulhar de novo e, de repente, boiar como um naufrago feliz porque, no meio da tempestade, está ali, vivo. E a ampulheta vai-se tornado cada vez maior e com a areia mais fina, até que não preciso de a girar de novo. Não sei quanto tempo demora. Anos, provavelmente. Até lá só tenho que ganhar coragem para lidar com o que vier. Porque a verdade é sempre dura de ver mas é sempre o caminho da verdadeira liberdade. Se se quiser ser livre, há que ter coragem e coração aberto, até para receber a dor.
Para um siamês que chorou comigo e que me fez ter coragem. Para ele, que me fez compreender isto tudo que acabei de escrever.
“Teatro vazio. Em cena um actor
Que morre segundo as regras da sua arte
Com o punhal na nuca. O ardor retomado
Um último solo, para pedir os aplausos.
E nem uma mão. Num camarim vazio
Como o teatro, um fato esquecido.
A seda sussurra o que o actor grita.
A seda tinge-se de vermelho, o fato torna-se pesado
Com o sangue do actor que na morte se derrama.
Sob o esplendor dos lustres, que faz empalidecer a cena
O fato esquecido bebe e esvazia as veias
Do moribundo, que não se assemelha mais do que a ele mesmo
Perdida a alegria e o terror da metamorfose
Seu sangue uma mancha de cor sem retorno.”
Escrito por Adolfo Luxúria Canibal, da musica “Morte do Teatro”
Comentários
Isso é uma ideia errada que as pessoas têm; não digo que em casos de deficiência motora de nascença não faz bem terapia intensiva, muito pelo contraio; em casos neurológicos é bem diferente. Neste momento só não ando melhor porque tenho alterações da sensibilidades. E isso, por muita terapia que se faça, o cérebro e a medula é que decidem. Houve uma parte do meu cérebro que morreu. A questão agora é se consigo refazer outras vias e aprender o que ficou perdido. Não há Cuba nenhuma que mexa no cérebro e lhe diga "agora faz isto". Antes fosse...
E depois há tipos de recuperações diferentes, no meu caso - dano neurológico - com a quantidade de tempo que se passou, não iria adiantar nada. "Quando a cabeça não tem juízo..."
A força de vontade vem com a capacidade financeira. Que é rico, pode mais, e fazer de tudo...