Sísifo

Como reacção ao amargo da minha boca e à ânsia de cigarros, procurei matar a saudade dos dias cruéis pela catalepsia mental. O dia torna-se nos dias, os dias são o Dia, como numa orgia maquinal absurda, como se a minha cabeça fosse uma linha de montagem em que o tapete vai sempre para o mesmo sitio e torna a volta, como um circulo transposto por uma recta que começa e termina com notas desintegradas que formam um ruído que penetra pela alma e que torna uma pessoa num autómato – andar – parar – sentar – executar – levantar – andar – subir – andar – executar – sentar – sem ânsias no coração porque este executa o dia são os dias, o dia o dia o dia o dia o dia o dia o dia o dia o dia o dia o… sentir-me nem satisfeita nem infeliz, não sentir apenas, olhar e não sentir maravilha nem repulsa.
Quebro-me ao mascarar todo o meu desassossego que quase rebenta com a cabeça em partes infindáveis de partículas ínfimas deste mal-estar físico que quer-me tentar dizer “saí saí saí!” mil vezes “SAÍ!”. Mas eu sei. E calo. E passos os dias do Dia em ausência só para tentar suster as náuseas, as dores, as lágrimas, as mudanças, as tonturas, a imobilidade, a agorafobia tortuosa, o medo de perder o controlo das minhas faculdades. O pânico…
Não desejo mais inquietações por favor, suplico a alguém, algo, suplico ao Nada que me deixe entrar em si, na sua redoma de vidro em brasa onde tudo fica em suspenso para não se lacerar ----------------------------- assim, como uma placenta cheia de quimeras ou uma existência alternativa em que tudo está perfeito, onde… Era uma vez e viveram felizes para sempre, como numas folhas perdidas em que desenhava quando não sabia escrever. E quanto mais revivo menos vivo, e quando vivo experimento a aflição de ser um vislumbre.
Andar – parar – sentar – executar – levantar – andar – subir – andar – executar – sentar – andar – parar – sentar – executar – levantar – andar – subir – andar – executar – sentar andar – parar – sentar – executar – levantar – andar – subir – andar – executar – sentar quantas vezes fores precisas, andar – parar – sentar – executar – levantar – andar – subir – andar – executar – sentar e tentar não pensar, andar – parar – sentar – executar – levantar – andar – subir – andar – executar – sentar e fitar o número Vinte e Dois com os olhos muito abertos como se fosse uma criança que de repente se vê mulher e não se tinha apercebido. “Saí!” manda a voz na minha cabeça – mas tenho se ser mais forte que o impulso e ficar, o tempo não se esgota assim, ainda ontem era 2003 e tinha o mundo a meus pés, agora apenas cinco anos depois e carrego-o ás costas.

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