Sr. Henrique

Há coisas que ainda me impressionam mesmo um ano e meio de terapia. Já vi muitos traumatismos cranianos, muitas lesões de AVCs (esquemicos ou hemorrágicos) muitos tipos de lesões de acidentes (trabalho, carro…) já vi os corpos de adolescentes atrofiados por anos de posições erradas devido a paralisias cerebrais. Mas o cérebro é uma caixa de Pandora feroz, quase independente do corpo, quase alienígena. E quando se mexe com o cérebro, não há um padrão que diga “este indivíduo vai reagir da forma xpto devido a lesão que teve”. Don’t mess with the brain, dude. Ou corres o risco de ficares gagá aos 40.
Esta introdução toda para falar do Sr. Henrique. Teve um traumatismo craniano porque ia de bicicleta quando uma carrinha lhe bateu. Levou com um o espelho e depois bateu fortemente contra o alcatrão.
Ele trabalhava na Marinha (acho eu), e fazia de tudo. A minha terapeuta ocupacional conhece-o, pois são da mesma terra. Ora tenta imaginar um senhor com 60 anos, com filhos e netos, dizem com grande sentido de humor. Calvo, não muito gordo, com um ar malandreco, de repente vê-se atirado para uma cadeira de rodas, preso com lenços e com um tabuleiro amarrado à cadeira para não cair ou sair da cadeira, coisa que já fez. A primeira vez que o ouvi ele estava a falar normalmente e (é isto que não esqueço), põe-se a atirar beijos para o ar. Parece que ele está cá, mas está num mundo completamente à parte, começa a falar (e o que diz tem sentido) e, de um momento para o outro, parece que imagina situações ou pessoas. Fisicamente não tem (à vista desarmada) nenhum problema. Mas nota-se que está perdido numa massa cinzenta que não regenera. Manda só as informações para outro lado. Mas nunca se sabe se alguma fica pelo caminho.

Nunca se sabe nada.

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