Sobre o Aperto (e afecto)

Já não ouvia Deftones há algum tempo. Sabe bem lembrar que os apertos de outrora corresponde à tranquilidade de hoje. 

Estou quase a desistir. Outra vez.

Não há força que alivie o nó da forca. Às tantas penso que é só uma questão de tempo, e ao mesmo tempo que isso me assusta, alivia-me.

Sinto-me cada vez mais estranha, incapaz de espontâneadade humana. Tudo me custa - tempo, dores - e na minha incapacidade de comunicar sem peso, prendo-me. 

Quero fugir outra vez, infelizmente sei que não consigo fugir de mim, da minha cabeça, do meu corpo. Estou cansada de fazer a minha mãe chorar. 

Tento em demasia, perdi a noção que desistir é uma opção, que resignação é uma opção. Não sei como continuo com este fogo de querer. Não sei mais como conduzir-me com os outros porque sei que sou um poço. Temo a aproximação porque temo a rejeição. Queria conseguir trabalhar com os outros, mas sou incapaz de me aproximar. Pedir. Sinto sempre que quando peço estou a ser um estorvo. Uma inconveniência. 

Não tenho a mais pálida noção de como os outros me vêem (se vêem). Tenho um coração tao cheio de amor que temo sufocar os outros. Tenho um coração tão cheio de dor que nem consigo sentir raiva. Desapontamento. Já vivi tanto e nada de concreto. 

Ao mesmo tempo sou surpreendida por demonstrações de afecto. Devo ter feito algumas coisas bem, pelo menos. O facto de me surpreender com o afecto é assustador.

Dói-me a perspectiva cada vez mais real de não poder ser mãe, que foi o único motivo pelo qual dei graças por nao ter morrido. Felizmente tenho amor de sobra para as minhas sobrinhas e para as mães delas, e a distância não facilita. Pior, o meu corpo não facilita também, quando tenho oportunidade de estar com elas. Mais uma vez, culpo-me.

Quanta dor serei capaz de aguentar? Parece-me mais do que imagino. Não sei o motivo.

Hoje apercebi-me que assim que acordo começo a pensar. Não tenho descanso. Seria mais fácil odiar, nem consigo odiar este facto. Sou muito mais fraca do que possa parecer, mais ingénua do que pensava. Faço de migalhas um banquete só para continuar faminta. O ódio ajudar-me-ia, creio.

Talvez esteja assim porque me vi obrigada a fazer o desmame de uma medicação que tomo para a epilepsia que funciona também para a ansiedade. Os Zepam. Não sei o que tinha na cabeça quando rejetei a troca. Não sou tão forte que aguente a realidade. Talvez antes do ferro considere a inebriação. Devo ser maso sem intenção do ser.

No outro dia chorei tanto que creio que até a minha vizinha ouviu. O desespero é o sentimento que tenho por garantido. Queria voltar a ter 15 anos, e ir aos concertos com os meus amigos. Queria voltar a combinar aniversários. Isto é uma memória tão distante que parece que nem as vivi.

E, agora que me apercebo, estou a poucos dias dos 37. Não entendo o que é isto da idade, mas sei que funciona como um afunilamento de (quase inexistentes) oportunidades para tudo - para carreira, para o amor. Porra, afinal que ando aqui a fazer? Tento tanto, falho tanto e no final sou apenas eu dentro de mim e não chega. Devia chegar.

Comentários

Dói-me ler isto porque tenho noção de não ter qualquer semblante de noção do sofrimento pelo qual passas ao viver com as limitações do AVC. Custa-me ter noção que passas por isso e gostaria, por princípio, de ajudar, mas não tenho nada a oferecer: tenho noção que sou quase um estranho, que te conheceu noutro tempo, e neste momento nada vale o que penso porque são só bitaites mandados em abstrato.
Mas se te perguntas como os outros te vêem, posso tentar responder a isso:
Sempre te admirei enquanto uma alma livre, uma pessoa com garra e uma profunda sensibilidade para a arte e a humanidade. Eu era bué totó, então sentia-me um bocado intimidado por ti: porque queria conseguir ser mais irreverente, como tu, e queria escrever bem como tu. Desejava um pouco emular-te mas sendo mais totó, ficava sem jeito ao conviver contigo, porque me tiravas da zona de conforto. Eu percebia que isso era positivo. Então foste sempre uma pessoa que me causava um misto de emoções.
Hoje, acho que tiveste um impacto real na pessoa que sou (o escutismo moldou-me muito): graças a ti sou um bocado menos totó do que poderia ter sido.
Então, custa-me ver-te sofrer e saber que nem imagino a luta que é ser tu. O AVC não mudou como te vejo. Gostava que fosses feliz.
Damour Pourtoi disse…
Acho que o sofrimento, venha de onde vier, é sofrimento tão válido para quem teve um AVC ou para quem tem um coração partido. Todos nós o experimentamos. Não escrevo quando estou feliz, pode dar a percepção que a minha vida é pior do que realmente é.
Tenho-te bem guardado nas minhas memórias, que são do mais precioso que tenho. Continuo atónita por teres mostrado aquela foto no monte de são Bartolomeu à tua mãe. Nunca mais lá fui e tenho saudades.
Os escuteiros deram-me pessoas para a vida. Apesar de estarmos distantes (porque a vida é assim mesmo) continuam a estar comigo.
Tenho um imenso orgulho da pessoa que te tornaste (vou sabendo de coisas volta e meia) e nunca houve margem para dúvidas, és e sempre foste de uma delicadeza sublime.
Às vezes dou uns tropeções e é o fim do mundo, mas já aprendi que tenho que viver a dor quando se manifesta, e passa.
A próxima vez que mergulhares recita!
Abraço, que só pode mesmo ser com a "canhota amiga" *

Mensagens populares