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O meu apetite comeu-se a si próprio. Todo o alimento, por mais visual ou olfactivo que sejam, causam em mim uma repugnância que desperta logo o meu estômago – como se preparasse um vomito, dançam dentro de si os sucos gástricos, num bacanal desenfreado de quem só os que têm por medicação por ração diária é capaz de compreender. É um fenómeno cuja causa principal, dizem os mais conceituados médicos, se deve a uma incapacidade aguda de sair da cama, de excesso de olhar para o tecto a contar as manchas de bolor que possam surgir a decora-lo com imagens dúbias, e memorizar os trajectos dos incestos, para depois me aperceber que – para os rastejantes – morrem sempre a caminho do seu objectivo, ou então – para os voadores – morrem sempre à procura da liberdade. Um dia, meses depois de observar o tecto, perguntei à imagem de um rosto que surgia sempre á mesma hora de todos os dias, se era imortal. A imagem nunca mais voltou. Não me lembro já da pessoa que era, ou se era sequer uma pessoa.
Ao longo de todos estes dias os meus olhos foram-se colando com a remela verde até ver tudo turvo. Os meu lábios estão descascados como uma cebola, e eles também se fecharam com restos de saliva velha. A minha boca é uma ferida aberta, branca. Tudo o que não fazia sentido de ser utilizado deixou de ter importância. Por outro lado, ganhei outro sentido, o da cama. Já não sei diferenciar a minha pele dos lençóis e, quando está frio, sinto os azulejos do qual é feito o chão. Sei como está o tempo pelo cantar dos pássaros; não os vejo mas conheço-os. A minha audição é capaz de descobrir se esta ou aquela cantiga é do mesmo pássaro, mesmo que cantem a mesma melodia. É assim que sei qual a estação do ano em que me encontro. Na primavera há piares-pedidos, piares-excitação, piares-medo. Há também o subtil ruído das jovens asas a mexerem-se descoordenamente. Antes ainda rodava a cabeça para as ver, mas antes dos meus olhos terem desistido de me dar visão já eu tinha desistido de ver.
Ao longo de todos estes dias os meus olhos foram-se colando com a remela verde até ver tudo turvo. Os meu lábios estão descascados como uma cebola, e eles também se fecharam com restos de saliva velha. A minha boca é uma ferida aberta, branca. Tudo o que não fazia sentido de ser utilizado deixou de ter importância. Por outro lado, ganhei outro sentido, o da cama. Já não sei diferenciar a minha pele dos lençóis e, quando está frio, sinto os azulejos do qual é feito o chão. Sei como está o tempo pelo cantar dos pássaros; não os vejo mas conheço-os. A minha audição é capaz de descobrir se esta ou aquela cantiga é do mesmo pássaro, mesmo que cantem a mesma melodia. É assim que sei qual a estação do ano em que me encontro. Na primavera há piares-pedidos, piares-excitação, piares-medo. Há também o subtil ruído das jovens asas a mexerem-se descoordenamente. Antes ainda rodava a cabeça para as ver, mas antes dos meus olhos terem desistido de me dar visão já eu tinha desistido de ver.
Comentários
cama é bom, mas a dois, e sem vómitos, mesmo ke vomitar seja bom, nem ke seja vomitar a pátria (isto soa-me a quadro da Paula rego), ou sobre ela, como retributo ao tanto ke ela tem vomitado sobre nós...
ânimo*
e molha-me esses lábios;
é primavera*
bjs