30 metros do chão

A noite, que já não vejo há muito tempo

sem ser por uma janela suja 30 metros acima do chão

(o máximo de divindade que senti,

obtuso o ruído dos carros e das pessoas,

faz-me pensar que estou a 30 metros do chão

e mais nada),

aguça-me os sentidos. Na cama, já no escuro,

com 1mg de diazepam a passear-me nas veias,

não cesso de pensar, mas pensar em tudo,

no jogo de computador,

no livro que quero ler (mas nunca o começo),

na musica que não paro de ouvir aqui na ampulheta,

no facto de pensar que tenho que parar pensar na musica

e na vida. Para adormecer. Fico nisto horas a desesperar,

e quando estou a adormecer… Penso que estou a adormecer.


Uma noite, escura como os holofote que a iluminam,

não há muito tempo, o tempo suficiente,

fui para uma sala ainda mais escura

para ouvir palavras ainda mais escuras,

apesar da luz do candeeiro.

Confundida na escuridão não era mais do que uma parte

daquela massa negra sem rosto, como numa acasalamento educado,

pressinto mais rostos e mais rostos juntarem-se àquele carnaval

onde a única lei é estar sentado num banquinho

de 50cm de largura, contudo os cotovelos são livres

de tocarem, mas atenção!, ligeira e brevemente no braço comum,

despertou-me a atenção um rosto negro que fugia com os olhos

de qualquer contacto com os outros,

cabeça baixa, pose submissa como um cão magoado

pelas vicissitudes da vida, sentou-se e desapareceu no escuro.


A noite esconde rostos e viola os segredos

em atitudes corpóreas. Eu sei ler as pessoas tão bem quanto me leio,

as 3h da manha agarrada a um computador a 30 metros acima de mim.

Tento. Não sei ler tudo, mas aquilo que se releva

Ao olhar mais atento. Olhos negros temos todos,

que é a parte que realmente vê. As cores nascem todas do preto,

e mesmo a veste mais negra despe a pessoa que a erga.

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