A cru

Estou no hospital de Santarém. Ninguém sabe. Estava longe de imaginar que o telefonema para a Saúde 24 me trouxesse aqui. Não sabia que poderia ter recusado vir para aqui - estava assustada e completamente derrotada, com mil recordações me me assolam e isolam cada vez mais.

Não sei como vou voltar para casa. Chorei a viagem inteira para cá. Estas são as etapas que poucos vêem e que muitos não querem ver/ saber (e os que querem saber não direi, pelo menos por agora). Relembrei todos os pensamentos que me têm assombrado. Ainda há pouco tempo a minha amiga Anita disse-me que me isolo demasiado. Eu sei, não é algo que queira. Devia ter ido ao concerto do Scúro em vez de ter ficado a trabalhar na tela, muito provavelmente não estaria aqui agora.

E porque é que estou aqui? Deixei de sentir o meu lado direito completamente. Será que tive uma ausência? Será que foi da posição em que estive a trabalhar? Não sei. Tentei dormir. Tentem dormir com um lado dormente. Não passava. Levantei-me e fiz alongamentos. Massagei. Nada. Tentei deitar-me. Estava confusa. Fiz o telefonema esperando que a enfermeira me dissesse que não seria nada demais. Estava tão confusa, disse-me que o INEM viria. Eu não quis, ela disse-me que iriam só monitorizar os meus valores. Ao sair deixei a carteira em casa. Na ambulância o bombeiro explicou-me o que fazer caso recusassem atender-me - sim, não existe hospital nas Caldas e o de Leiria não tem médicos - para fazer a admissão como independente. Não me lembrei. É difícil lembrar seja do que for quando nos assustam.

Supliquei ao bombeiro para não me levar, era tarde demais. Não sei quanto tempo foi a viagem, mas foi o nascer do sol mais triste que vivi. Cheguei, pulseira laranja, apressaram-se a fazer-me exames. Outro de contraste. Devo brilhar na luz negra.

"Tens que ser independente, não deves contar com os outros para te safaram" (muito amiúde uma conversa que tive há uns anos com alguém que não fazia a mais pálida ideia do que falava). As palavras têm peso, estas não esqueço (ou a intenção delas). Hoje, não pude pedir ajuda a ninguém. Já me sentia um estrovo, agora nem tento. Eu sou peso porque a minha vida é pesada e entendo que as pessoas não queiram ver ou acreditar no quão pesada é - então precebo que partam, mas avisem-me pelo menos.



Vou ter alta. O médico disse-me para ver um psiquiatra, que não posso viver assim. Eu sei, e já tentei viver doutra forma. Prefiro isolamento à esperança. Prefiro o isolamento à hipocrisia - não posso fugir de mim, da minha condição e não obrigo ninguém a aceitar-me. Não vejo outra escolha (se souberes avisa-me).

Lamento a minha sobriedade que não pedi. Lamento o meu peso que não pedi. 

Às tantas o isolamento não é assim tão mau - não existe hipótese de sentimento de culpa por existir. 

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