Carta ao meu filho
Meu amor,
Creio que é inevitável chegar à conclusão que nunca existirás. Nem sei bem como conseguiria ser tua mãe, na verdade. Talvez a tua inexistência seja a maior prova de amor que te possa dar.
Serias Orfeu ou Ofélia, no meu mundo. Aprenderias a tocar um instrumento se quisesses. Iríamos ao pinhal, à praia. Levantar-me-ia só na esperança de te ver sorrir, mesmo que subconscientemente. Choraria baixinho, quando não estivesses a ver. Viveria para ti, desejaria viver por ti.
Quando acordei e pensei "ainda bem que não morri porque quero ter um filho" não fazia ideia que existiria a possibilidade que nunca existisses. Com 20 e poucos anos não sabia que o tempo passaria tão rapidamente. Não sabia que a minha vida se mostrasse tão austera após acordar.
Este mundo é demasiado cruel para que seja tua mãe. Assim, posto por escrito, posso começar a fazer o luto. O amor que sempre tive por ti continua estendido aos que já cá estão e, ocasionalmente, só para ti, nestes momentos nossos.
Oxalá a vida tivesse sido diferente, meu anjo. Estamos a ficar sem tempo. Talvez seja pelo melhor. Deixa-me crer que é pelo melhor.
Amo-te para lá de todo o plano de existência, para lá da matéria, para lá do vácuo, onde tu estás. E de volta. Espera por mim.
Da tua mãe, Daniela.
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