Sobre crescer

Quando é que a paixão deixou de nos mover? Quando foi que o mundo nos torceu tanto, tanto que o amor já deixou de o ser? Nos esgares de obsoleto cansaço mora apenas a resignação. Que é melhor estarmos tranquilos do que felizes. Que nos falta a força para procurar a felicidade. Receio bem que a felicidade seja uma utopia, pautado por músicas que despertam a nostalgia remetendo-nos para uma altura em que nos venderam um futuro brilhante. Onde está esse brilho agora que já cheguei e todos os olhares são baços? Queria esperança mas não consigo mais esperar por ela. Era tão mais fácil quando tínhamos a certeza da nossa imortalidade, dançar até de manhã e cantar nos corredores. Agora... quis tanto ser invisível que agora... Agora ninguém me vê ou fui tão bem sucedida numa personagem que é mais fácil ser o personagem que eu. Em verdade vos digo, há em mim toda uma agonia que não cessa ou apazigua. Tenho noção da minha ingratidão, e todos os dias acordo com a ciência que existimos todos por acaso e por acaso não existe nenhum motivo para a nossa existência que o próprio acaso. Os meus poetas ou já partiram ou estão lá quase, outros mais desistiram, e não há mais mundo para os vindouros. E penso que até isto não importa porque nada importa, tão pouco a memória pois esta sempre esteve condenada, seja pelo laboro do homem ou pela certeza que um dia o Sol nos engula e até o mais virtuoso dos homens será esquecido permanentemente. ZOOM OUT ZOOM OUT ZOOM OUT and OFF Aqui está a única certeza universal. Estou curvada pelo peso, estou aleijada pela experiência, eu eu eu, eu nem importo para nada e seja o que fôr que faça isso não vai importar também. Desdita liberdade que me assiste, não soube o preço que ia pagar e agora estou cansada demais e sem a menor esperança (porque a esperança é tão mau agoiro, porque esperei até ficar sem). Nunca quis crescer e maldito o acaso que me prendeu todas aquelas vezes. Não foi isto que imaginei, não foi isto que me prometeram. E acaso acreditasse num deus maldizia-o. Não acreditar é não poder culpar e nao poder pedir. Oxalá que... não. O meu dia de amanhã será idêntico ao dia que vivi há dez anos atrás e será idêntico ao dia de dez anos para a frente, se lá chegar. Talvez o cansaço me devore de uma vez. Nada disto é pessimista nem optimista, é o que é e independentemente disso nada disto importa.

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