Purga

 35,7.C, não tenho febre mas sinto-me tão mal quanto tivesse. Acabei de chegar a casa, vinda do concerto do Manel. Fui, mesmo atrasada, mesmo com dores, fui porque sabia e precisava.
Saí de lá a pensar, e vim a pensar o caminho todo até casa: sabes que a arte é boa quando te toca. Claro que isto é muito subjectivo, no fundo tenho vindo a separar arte de entretenimento, e o que os separa será sempre, mais do que a técnica, a verdade. 
Quando voltei a criar tive o privilégio do fazer com alguém que, mesmo não compreendendo inicialmente o meu pedido, abraçou a criação, saindo da sua zona de conforto e tomando-a para si. Claro que o processo não foi tão simples como o estou a descrever, no fundo escrevi uma data de histórias para que ela conseguisse buscar o sentimentos que eu queria. Disse-lhe muitas vezes "não me enganes", algo que o meu querido Miguel sempre me disse, e que só de volta ao processo consegui ver claramente do que ele me falava.
Traçando um paralelo entre este concerto e  última peça que vi (apesar de serem de espectros diferentes) é que há verdade num e pretensão no outro. Talvez por isso fique sempre tão desiludida e enraivecida quando saio do teatro, sinto-me verdadeiramente tomada por idiota.
Talvez esteja com um delírio febril ou outra coisa qualquer, mas entendo que a arte, como se iniciou, serve como purga, tanto para espectadores como para os criadores e todos os demais envolvidos. Não vou falar que "não se pode agradar gregos e a troianos" porque vocês sabem ao que me refiro. A arte continua a ser ritualista e se não for é entretenimento. Se a criação não tocar verdadeiramente no âmago de uma pessoa, é falsa, é entretenimento.
Não quero com isto dizer que a criação é algo áureo, acima do próprio homem - na verdade estamos permanentemente a criar - não tolero é que me cuspem para a cara e me digam "e não digas que vens daqui". Eu, como qualquer pessoa, consigo ver e sentir (sobretudo) , quando algo não está a ser verdadeiramente vivido ou sentido pelo outro, e hoje foi um dia bom. 
"Não me enganes", disseram-me. Foi provavelmente a frase mais valiosa que aprendi na vida. 

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