A escola para além da escola, fé e razão

Tenho assistido às aulas de Artes Performativas do Oriente e, de modo grosseiramente sucinto, estas artes (dança, teatro) têm uma ligação muito íntima com a espiritualidade, religião ou outro nome que queiramos dar a isto. Hoje falamos sobre os rituais que se pautam, entre muitas outras coisas, pelo estado de tanse das bailarinas (e, ao que pude apurar, também algum do público. Para maior contexto, refiro-me ao ritual sanghyang dedari, originário de Bali.

Após uma conversa no fim da aula teci, como habitual, uma linha de pensamento. Transcrevo aqui o que escrevi pois está, obviamente, ligado à minha percepção de mundo que fui moldando pelo facto de ter tido um AVC. Partilho-o pois parece-me importante. Se não fizer sentido para vós, cagem nisso e não se apoquentem.

Sobre a conversa pós aula,

Começo por partilhar uma experiência minha. Quando estava em coma, vi-me de cima, como se estivesse a pairar e vi toda a sala dos cuidados intensivos. O curioso foi que me colaram as pálpebras uns dias após ter entrado no hospital (não cobrem os olhos na totalidade). Seria fácil acreditar que esta experiência se explicaria por algo externo ou inteligível. É fácil crer. E cremos quando não encontramos explicação para coisas que não compreendemos em busca de uma resposta.

Nesse sentido procuro mais que explicações espirituais, porque é fácil e perigoso. Não posso sentir-me mais alva que ninguém porque tive uma experiência de quase morte e daí partir para a crença que sou mais, ou fui escolhida por um deus qualquer para permanecer no plano da matéria porque talvez tenha uma missão muito importante de vida.

A nossa angústia sobre o caos leva-nos muitas vezes a actos de fé, talvez pela nossa inabilidade de lidar com a nossa mortalidade.

A crença que somos todos guiados por uma ou mais entidades não me satisfaz. Não posso acreditar que tive um AVC por um propósito maior que a matéria mas sei que tive um AVC por uma veia malformada enquanto feto. Esta explicação não é de todo satisfatória mas é um facto. A maneira com que lido com este facto pode divergir consoante o meu condicionamento social, fé ou até neurologicamente. 

Escavando mais fundo, batemos com a questão qual o sentido da vida, mas isso são outros quinhentos. 

Ao fim de 14 anos de experiências e crenças e tudo, posso dizer que o cérebro (e, por correlação, os nossos sentidos) pode ser a chave a todas as respostas que procuramos na fé. O problema aqui é que conhecemos cerca de 10% das capacidades do cérebro e até isso não é transversal. 

Os processos de transe (sejam espontâneos ou induzidos) têm explicação racional - tanto no campo neurológico como cultural, se o podemos dizer.

Resta-me concluir que tudo o que que pauta como sobrenatural poderá ter uma explicação neurológica, mas como não conhecemos todo o exponencial do cérebro não posso dizer com toda a certeza que o é. Por outro lado, experiências sobrenaturais documentadas têm explicação neurológica ou cultural ou ambas. 

Isto não quer diminuir qualquer acto de fé ou espiritual, apenas remeto esses fenómenos ao cérebro, acredito que é de dentro para fora e não o inverso, e isto, só por si, é um acto de fé. 


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