Sobre niilismo médico e protecção
São quase 11h, estou acordada desde as 7h com pouco mais se 3h30 de sono. Continuo ansiosa, como se estivesse num cúbico com uma bota enorme a pressionar-me. Este sentimento é comum, e é comum também, que nestas alturas procure respostas que só me deixam com mais perguntas.
Foi na sequência deste sentimento que ouvi, pela primeira vez, a expressão "niilismo médico" e como, subitamente algumas inquietações caíram num lugar. Segundo o autor Jacob Stegenga (assim de grossissimo modo, pois ainda estou a ler o livro) a patologização de sentimentos e modos de aprendizagem tidos como indesejados (i.e., depressão, défice de atenção entre outros) são reflexos naturais do ser humano ao seu ambiente. Talvez por isso tenha havido um "boom" de diagnósticos e subsequentemente medicação para problemas que só comecaram a existir porque a sociedade tem vindo a pressionar o indivíduo para corresponder a uma data de expectativas que não fazem sentido como raís (i.e., trabalhar por um salário não tem o mesmo valor como trabalhar na agricultura, tendo em conta que a recompensa é imediada - isto agora é só um pensamento solto ao qual me irei debruçar mais tarde).
É aqui que talvez consiga traçar uma linha, não com a intenção de dividir mas de tornar um pouco mais claro que, independentemente de alguém ter o direito de se identificar como pessoa com deficiência, existem diferenças que podem impactar a pessoa com deficiência caso os espaços designados para nós sejam abertos a um espectro.
Um exemplo rápido, tive depressão enquanto normativa e enquanto não normativa, e a diferença foi nula, ou seja, os recursos existiam e eram gratuitos, como psicoterapia e medicação. Nunca me senti discrimidada por ser depressiva - algums incómodos sociais certamente, como dificuldade na interacção social e isolamento mas nunca ninguém me humilhou por isso, e aqui vem a grande questão - talvez o método que permita traçar a tal linha venha da resposta social à presença do corpo não normativo, e isto inclui também pessoas não normativas (i.e., pessoas surdas, cegas, com síndroma de down etc). A percepção visual social da diferença como "indeficiente" é que nos coloca em risco.
Claro que existe espaço para todos nos nossos espaços, desde que haja um claro entendimento da luta, e aqui falo da luta de dentro para fora (direito de oportunidades e acesso). A presença de pessoas normativas nos nossos espaços é importante e muitas vezes indispensável (i.e., pessoal médico, assistentes pessoais, etc). Quando alguém, por qualquer motivo, se identifica como parte de um grupo marginalizado pressupõe-se que esta compartilha de experiências que a legítima. Contudo somos instrumentalizados não só por normativos - mas também por pessoas que de identificam como PcD.
(Pausa para me fazer ao caminho - a caminho de Lisboa)
Então, da experiência tida em laboratório anterior, penso que isto que se passou. De qualquer forma pessoas com deficiência podem, também elas ser capacitistas. Não o esperava, no entanto, naquele contexto. E é tão difícil, nestes lugares de maior vulnerabilidade, pedir para sermos ouvidos quando do outro lado existe uma completa certeza, um credo de que o que está a ser feito é o melhor para nós. Esta experiência foi tão análoga que continuo a pensar nela e como proceder da forma mais justa possível.
Posso estar completamente enganada nesta minha análise, já estamos todos tão divididos e isolados que quero mesmo estar enganada.

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